“O que sou neste instante? Sou uma máquina de escrever fazendo ecoar as
teclas secas na úmida e escura madrugada. Há muito já não sou gente. Quiseram
que eu fosse um objeto. Sou um objeto. Objeto sujo de sangue. Sou um objeto que
cria outros objetos e a máquina cria a nós todos. Ela exige. O mecanicismo
exige e exige a minha vida. Mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um
objeto, que seja um objeto que grita. Há uma coisa dentro de mim que dói. Ah
como dói e como grita pedindo socorro. Mas faltam lágrimas na máquina que sou.
Sou um objeto sem destino. Sou um objeto nas mãos de quem? tal é o meu destino
humano. O que me salva é grito. Eu protesto em nome do que está dentro do
objeto atrás do atrás do pensamento-sentimento. Sou um objeto urgente”.
Clarice Lispector, in 'Água Viva'
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