Minha vida é um grande desastre. É um
desencontro cruel, é uma casa vazia. Mas tem um cachorro dentro latindo. E eu —
só me resta latir para Deus. Vou voltar para mim mesma. É lá que eu encontro
uma menina morta sem pecúlio. Mas uma noite vou à Secção de Cadastro e ponho
fogo em tudo e nas identidades das pessoas sem pecúlio. E só então fico tão
autónoma que só pararei de escrever depois de morrer. Mas é inútil, o lago azul
da eternidade não pega fogo. Eu é que me incineraria até meus ossos. Virarei
número e pó. Que assim seja. Amém. Mas protesto. Protesto à toa como um cão na
eternidade da Seção de Cadastro.
Clarice Lispector, in 'Um Sopro de Vida'
Clarice Lispector, in 'Um Sopro de Vida'
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